“Pérola Negra” ( Philips/Phonogram, 1973), Luiz Melodia


Luiz Carlos era um garoto nascido e criado no morro de São Carlos, no bairro do Estácio, no Rio de Janeiro, conhecido como um dos berços do samba carioca. Filho de funcionário público que nas horas vagas era músico amador tocador de viola, o garoto desde cedo conviveu com a música, vendo o seu pai tocar em casa, ouvindo os sambas do morro onde morava ou ouvindo os discos de jazz, blues e rhythm’n’blues na casa de um tio que tinha vitrola. Num radinho de pilha em casa, ouvia os sucessos dos astros da Jovem Guarda e da música pop internacional.

A motivação musical logo fez Luiz largar os estudos na adolescência nos anos 1960 e se dedicar exclusivamente à música, o que contrariou a vontade do seu pai que queria vê-lo formado “doutor”. Muito jovem, montou com os amigos uma banda que tocava sucessos da bossa-nova e da Jovem Guarda. Nessa mesma época, começou a compor as suas primeiras canções. Participou de outras bandas amadoras e de concursos de calouros nas rádios do Rio de Janeiro.

A vida de Luiz começou a mudar em 1971, quando uma amiga que morava no morro de São Carlo o apresentou ao poeta tropicalista Waly Salomão (1943-2003) que costumava frequentar aquele morro para ter contato com os sambistas daquele lugar. O poeta baiano ficou impressionado com a qualidade e a maturidade das letras daquele jovem de 20 anos. Logo o levou para conhecer outro poeta tropicalista, Torquato Neto (1944-1972), que igualmente a Waly, foi conquistado pelos versos e pela musicalidade daquele garoto do morro do Estácio. Na sua coluna no jornal “Última Hora”, Torquato ajudou a divulgar os trabalhos de Luiz Carlos.

Em pouco tempo, Luiz Carlos foi apresentado por Waly a nada mais nada menos que Gal Costa, que de cara gostou das suas canções e incluiu “Pérola Negra” no seu show “Gal A Todo Vapor”. Dirigido pelo próprio Waly Salomão, o show resultou no álbum duplo gravado ao vivo Fa-Tal - Gal a Todo Vapor, lançado naquele mesmo ano de 1971. A música “Pérola Negra” estava entre as faixas do álbum de Gal.

Em 1972, foi a vez de Maria Bethânia gravar uma canção de Luiz Carlos. Ela gravou “Estácio, Holly Estácio” para o álbum Drama – O Anjo Exterminador.

Com duas intérpretes consagradas gravando suas canções, logo percebeu que não era mais um mero jovem do morro de São Carlos. Assumiu o nome Luiz Melodia, adotando o sobrenome artístico do seu pai, Oswaldo Melodia. Além disso, Guilherme Araújo (1937-2007), empresário de Gal, Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil, tornara-se também seu empresário. Ainda em 1972, assina contrato com a gravadora Philips para gravar o seu primeiro álbum no final daquele mesmo ano.

Para desenvolver os arranjos de boa parte das dez faixas do seu álbum de estreia, Pérola Negra, Melodia contou com a colaboração do músico baiano Perinho Albuquerque. Foi ele quem conseguiu canalizar todas as referências musicais de Melodia paras os arranjos das músicas, e dar ao álbum uma identidade que se tornaria a razão do trabalho ser cultuado por tantos anos. Todas as referências musicais que construíram o estilo de Melodia estavam presentes naquele disco de estreia: samba, blues, rock, jazz e soul.

Acompanhado pelo Regional de Canhoto e do flautista Altamiro Carrilho, Luiz Melodia abre o álbum com a faixa “Estácio, Eu e Você”, cujos arranjos dão um clima que remete aos sambas antigos de Noel Rosa (1910-1937), e seguida pelo mambo “Vale Quanto Pesa” (regravada décadas depois pelo Barão Vermelho). O bairro onde Melodia nasceu volta a ser cenário no samba-canção “Estácio, Holly Estácio” (que havia sido gravada anteriormente por Bethânia), composta por ele e inspirado numa namorada dos tempos de adolescência; a música conta com solos de gaita de Rildo Hora. A temperatura sobe com o rock “Pra Aquietar” que traz a guitarra de Hyldon, músico que dois anos depois ficou conhecido em todo o país com o hit “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda”. Fechando o lado A do álbum, “Abundantemente Morte”, onde Melodia é acompanhado apenas por um violão e pela guitarra de Perinho.

Contra capa de Pérola Negra
A faixa que dá título ao álbum e que tinha sido gravada primeiramente por Gal Costa, abre o lado B com um arranjo primoroso. Os metais e o piano dão a “Pérola Negra”, a canção, um tom jazzístico e sofisticado. Melodia parece brincar ao fazer um jogo com o sentido dos versos (“Baby te amo / nem sei se te amo”). Em “Magrelinha”, a guitarra áspera e distorcida de Perinho chega arrebatando o ouvinte, enquanto o piano de Antônio Perna faz o pano de fundo delicado para os versos dramáticos de Melodia. O balanço animado de “Farrapo Humano” contrasta com o refrão que fala em suicídio (“Eu choro tanto me escondo e não digo / Viro um farrapo tento suicídio / Com caco de telha, com caco de vidro”). Em “Objeto H”, o clima é de rhythm and blues e jazz, remetendo o ouvinte direto para os anos 1950. Destoando um pouco de todo o resto do álbum, “Forró De Janeiro” fecha o álbum contando com a participação especial de Dominguinhos na sanfona e de Daminhão Experiença berrando loucamente palavras incompreensíveis.

Pérola Negra chegou às lojas em junho de 1973 e foi bem recebido pela crítica. Por outro lado, comercialmente foi um tremendo fracasso em vendas, mal chegou à casa das duas mil cópias vendidas, o que não teria agradado em nada a gravadora Philips. Esta pressionou Luiz Melodia a gravar o segundo disco apenas com sambas, algo mais popular e de venda garantida. O cantor recusou a ideia, não se considerava um sambista, gerando assim um conflito entre ele e a gravadora que não pensou duas vezes: rescindiu o contrato e o mandou embora. Melodia ficou por cerca de três anos sem gravadora até ser contratado pela Som Livre, em 1976. Na nova gravadora, lançou Maravilhas Contemporâneas, seu segundo álbum e que trazia o hit “Juventude Transviada”.

Apesar do pouco sucesso de público na época de seu lançamento, Pérola Negra foi construindo a sua reputação e relevância com o passar do tempo. Algumas de suas faixas foram regravadas por vários artistas, e é um dos álbuns mais cultuados da MPB, figurando sempre nas listas dos mais importantes discos da música popular brasileira.

Faixas:
  1. “Estácio, Eu E você”
  2. “Vale Quanto Pesa”
  3. “Estácio, Holy Estácio”
  4. “Pra Aquietar”
  5. “Abundantemente Morte”
  6. “Pérola Negra”
  7. “Magrelinha”   
  8. “Farrapo Humano”
  9. “Objeto H”
  10. “Forró De Janeiro”

Todas as faixas foram compostas por Luiz Melodia




Confira na íntegra o álbum Pérola Negra

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