“Exodus” (Island, 1977), Bob Marley & The Wailers


Durante a década de 1970, a Jamaica era um verdadeiro barril de pólvora, tanto no campo social quanto no campo político. A ilha vivia um alto índice de violência fruto da grande desigualdade social, principalmente nas ruas de Kingston, capital jamaicana. Na política, desde que se tornou independente da Inglaterra, em 1962, a Jamaica era dividida por um sistema bipartidário no qual o PNP (People’s National Party ou Partido Nacional Popular) liderado por Michael Manley, e o JLP (Jamaican Labour Party ou Partido Trabalhista Jamaicano), liderado por Edward Seaga, se revezavam no poder e travavam batalhas políticas sangrentas.

No meio de todo esse confronto estava Bob Marley, ilustre filho da ilha caribenha. Marley vivia a plena ascensão artística, era um astro internacional da música. Popularizou o reggae em todo o planeta e colocou a pequena ilha onde nasceu no mapa da música pop mundial. Apesar da fama, Marley mantinha contato com as suas origens, com o povo do gueto de Kingston.

Jamaica em pleno estado de tensão em 1976.

Em 1976, a Jamaica estava em pleno clima de pré-eleições, e isso significava estado de tensão num país tão desigual e polarizado politicamente. Numa tentativa de amenizar a situação, Bob Marley fora convidado para fazer um show para o povo em dezembro daquele ano, na verdade um evento pacífico intitulado “Smile Jamaica” promovido pelo PNP que naquele momento estava no poder. Bob Marley era a única figura que poderia conter aquela situação que beirava a uma guerra civil.

Só que dois dias antes do esperado show, a mansão do astro do reggae foi invadida por sete homens armados que chegaram atirando, mas felizmente não houve mortos. Contudo, Marley foi ferido no peito que quase atingiu o coração. Rita Marley, sua mulher, foi ferida de raspão da cabeça, enquanto que o empresário de Bob, Don Taylor, conseguiu sobreviver, mesmo tendo levado vários tiros. Alguns músicos da banda também foram feridos.

Apesar do atentado, Marley e sua banda cumpriram a combinado e fizeram o show para um público estimado em 80 mil pessoas, em Kingston. Marley subiu ao palco ainda com os curativos. No show, Bob Marley promoveu o encontro dos dois líderes adversários políticos, Michael Manley e Edward Seaga no palco.

Bob Marley promovendo o encontro pacifista entre os inimigos políticos
Michael Manley ( à esquerda) e Edward Seaga ( à direita), em dezembro de 1976. 

Em janeiro de 1977, Marley, acompanhado da sua família e banda, deixa a Jamaica e muda-se para Londres, Inglaterra, onde permanecerá por pouco mais de um ano. Marley desembarca numa Inglaterra em plena efervescência punk e acaba se identificando com aquele movimento que pôs o cenário musical e cultural inglês de pernas para o ar. Para aqueles jovens garotos, Marley compõs “Punky Reggae Party”, uma música que é uma confraternização entre rastas e punks, que no fim das contas tinham algumas coisas em comum.

Já instalados na nova morada, Bob Marley & The Wailers começam naquele mesmo janeiro de 1977 o processo de gravação do novo álbum nos estúdios da Island Records. Intitulado, Exodus, o título do novo álbum tinha tudo a ver com a nova realidade daqueles jamaicanos astros do reggae.

“Natural Mystic” abre o álbum com um som quase inaudível, mas que vai aumentando gradativamente até chegar à sua normalidade. “So Much Things To Say” parece tocar sobre o atentando que Marley sofreu (“Não viemos para a luta de carne e sangue / Mas contra a maldade espiritual em lugares altos e baixos / Assim, enquanto eles tentam te derrubar / Fique firme e dê graças a Jah”). Em “Guiltiness”, Marley manda um recado àqueles que tentaram matá-lo (“Eles comem o pão da tristeza / Aí vem os opressores / Eles comem o pão triste amanhã). “The Heathen” versa sobre ter a coragem de lutar e não desistir. 

Fechando o lado A está a faixa-título do álbum, uma clara inspiração no êxodo do Antigo Testamento sob uma visão da filosofia rastafári, mas ao mesmo tempo uma inspiração no próprio êxodo de Marley ao deixar a Jamaica após o atentado que sofreu. 


Exílio londrino : Bob Marley retornando do Tribunal de Magistrados, em Londres, 
após ser multado por porte de maconha, em abril de 1977. 

O lado B se mostra um tanto quanto mais ameno, abrindo com “Jamming” que traz um ritmo descontraído, mas Marley em seus versos toca ainda no assunto do atentado que sofreu ao afirmar que nem as balas podem detê-lo e que nem se curvará diante dos que querem destruí-lo. Em seguida vem uma sequência de duas canções românticas com “Waiting In Vain”, que traz um lindo solo melódico de guitarra de Junior Marvin, e “Turn Your Lights Down Lown”, uma bela e lenta balada com forte influência de R&B, evidenciada pelos vocais das I Threes, as backing vocals da banda de Marley. As duas canções foram compostas por Marley e dedicadas a Cindy Breakspeare, uma modelo com quem o “Rei do Reggae” teve um romance extraconjugal, e no qual os dois tiveram um filho, o cantor Damian Marley.

As duas últimas faixas ficaram famosas pelo teor otimista e pelo ritmo alegre. “Three Little Birds” conquistou o público infantil, enquanto que “One Love (People Get Ready)” tornou-se um dos maiores sucessos da carreira de Bob Marley. A canção na verdade é antiga, gravada originalmente em 1965, quando os Wailers ainda eram um trio, formado apenas por Bob Marley, Neville “Bunny” Livingston e Peter Tosh. A regravação para o álbum Exodus por fazer uma citação de “People Get Ready”, canção do soulman Curtis Mayfield, passou a ser creditada a Marley e Mayfield, e ganhou esse subtítulo.

The Clash: um dos homenageados por
Marley em "Punky Reggae Party".
Exodus  chegou às lojas em 3 de junho de 1977 e teve um lançamento festivo em Paris e Los Angeles bancado pela Island Records. O álbum foi bem aclamado pela crítica que teceu elogios à guitarra de Junior Marvin e à “cozinha” dos Wailers formada pelo baixo de Aston Barrett e à bateria de Carlton Barrett. No Reino Unido, Exodus foi 8º lugar na parada de vendas, nos Estados Unidos ficou em 20º na parada da Billboard, na Holanda em 11º lugar e na França em 20º. O single de “Jamming” trouxe no seu lado B a faixa "Punky Reggae Party", homenagem de Marley aos punks em cuja letra faz citações a bandas punks britânicas como The Clash e The Damned, mas que ficou de fora do álbum Exodus. A música seria uma retribuição ao fato do Clash ter gravado em seu primeiro álbum “Police And Thieves”, do cantor Junior Murvin, não confundir com o guitarrista dos Wailers que é Junior Marvin, com “A”. “Three Little Birds” e “One Love (People Get Ready)”, assim como “Jamming”, tornaram-se os grandes hits do álbum e clássicos da história do reggae.

Bob Marley ainda gravaria mais um álbum durante o seu exílio em Londres, Kaya, em 1978. Pouco depois, ele retornaria para a Jamaica pondo fim à sua morada londrina.

Neste ano de 2017, foi lançada uma edição especial de 40 anos de Exodus chamada de Exodus 40 – The Movement Continues que saiu em três versões: CD duplo, triplo, vinil quádruplo e em serviço de streaming. Essa edição, além de trazer a versão original, traz uma versão produzida por Ziggy Marley, filho de Bob, com arranjos inéditos e ordem alterada. O álbum triplo traz um dos CD’s com o show de Exodus gravado ao vivo em junho de 1977 no Rainbow Theatre, em Londres.

Faixas

Lado A
  1. "Natural Mystic"
  2. "So Much Things to Say"
  3. "Guiltiness"
  4. "The Heathen"
  5. "Exodus"

Lado B
  1. "Jamming"     
  2. "Waiting in Vain"      
  3. "Turn Your Lights Down Low"
  4. "Three Little Birds"              
  5. "One Love/People Get Ready" (Bob Marley - Curtis Mayfield)

Todas as faixas são de autoria de Bob Marley, exceto a indicada.

Bob Marley & The Wailers:
Bob Marley (vocal principal, guitarra base, violão, percussão), Aston "Family Man" Barrett (baixo, guitarra, percussão), Carlton Barret (bateria e percussão), Tyrone Downie (teclados, percussão, vocais), Alvin "Seeco" Patterson (percussão), Junior) Marvin (guitarra solo) e I Threes (Rita Marley, Marcia Griffiths, Judy Mowatt – backing vocals)


Ouça o álbum Exodus na íntegra

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