“Álibi” (Philips, 1978), Maria Bethânia


Irmã de Caetano Veloso, Maria Bethânia já era uma grande cantora da música popular brasileira em meados dos anos 1970, com um talento reconhecido pela crítica muito por conta da sua voz grave e marcante, e pelos seus shows carregados de grande teatralidade. Porém, era uma cantora que não atingia as grandes massas. Seu público era bem restrito e específico, centrado na classe universitária e na elite intelectual fã de MPB. No entanto, essa situação começa a mudar a partir de 1976, quando Bethânia emplacou “Olhos nos Olhos”, composição de Chico Buarque, e que se tornou um grande sucesso na voz da cantora baiana de Santo Amaro da Purificação. O sucesso da música fez o álbum Pássaro Proibido, lançado naquele ano vender mais de 100 mil cópias e garantir a Bethânia o primeiro Disco de Ouro da sua carreira.

Ainda em 1976, Bethânia junta-se a Caetano, Gal Costa e Gilberto Gil, formando o supergrupo Doces Bárbaros. O quarteto faz uma turnê nacional que rende um documentário e um álbum duplo gravado ao vivo e que levou o nome do grupo. Isso ajudou a dar mais visibilidade a Bethânia. Em 1977, ganha o seu segundo Disco de Ouro com o álbum Pássaro da Manhã, comprovando que a popularidade da baiana estava em expansão.

Doces Bárbaros em 1976: Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil.

Mas o grande salto na carreira de Maria Bethânia acontece com o álbum Álibi, lançado em dezembro de 1978. Diferente dos álbuns anteriores, Álibi trouxe canções que se tornaram grandes sucessos e que marcariam toda a carreira de Bethânia. O álbum abre com “Diamante Verdadeiro”, de Caetano Veloso, um choro dotado de certa nostalgia, remetendo aos antigos chorões do passado. A faixa seguinte é “Álibi”, um belo bolero dotado de muito romantismo composto por Djavan.

“O Meu Amor” traz um fato curioso. A canção foi originalmente composta por Chico Buarque para o espetáculo Ópera do Malandro que esteve em cartaz em 1978. No espetáculo, Marieta Severo (então esposa de Chico) e Elba Ramalho faziam um dueto cantando a música. As duas gravaram a canção para o álbum de Chico (ele não canta nessa faixa), lançado em novembro de 1978, um mês antes do lançamento do de Bethânia. Em seu álbum, Bethânia faz dueto em “O Meu Amor” com a sambista Alcione, que se saiu muito bem cantando um bolero. Com uma letra carregada de muita sensualidade e erotismo, “O Meu Amor” fala de duas mulheres que disputam o amor de um mesmo homem.

Alcione e Maria Bethânia em 1978, com o álbum de Chico Buarque, o mesmo
 que contém "O Meu Amor", regravada por elas para o álbum Álibi.

“A Voz Vitoriosa”, de Wally Salomão e Caetano Veloso, é uma bela homenagem à mulher, seguida de “Ronda”, de Paulo Vanzolini, um clássico da música brasileira gravado originalmente por Bola Sete em 1953, e que Bethânia conseguiu imprimir o seu estilo bem pessoal de cantar. Fechando o lado A, “Explode Coração”, de Gonzaguinha, uma canção que Bethânia fez um registro definitivo e ainda hoje insuperável.

Assim como “Ronda”, “Negue” é outra canção consagrada da música brasileira presente em Álibi, e é ela quem abre o lado B do álbum. Mesmo com dezenas de regravação que vão de Cauby Peixoto a Camisa de Vênus, o samba-canção composto por Adelino Moreira e Enzo de Almeida Passos, em 1960, ganhou a sua versão definitiva com Maria Bethânia. O samba “Sonho Meu”, de Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho, traz mais um dueto no álbum, desta vez Bethânia com sua voz grave contrastando com os agudos de Gal Costa. Em “De Todas As Maneiras”, canção de amor de Chico Buarque, Bethânia canta os sentimentos do fim de um relacionamento conflituoso e desgastado. A canção seria regravada pelo próprio Chico no seu álbum Vida, em 1980.

Censurada em 1973, "Cálice", de Gilberto Gil e Chico Buarque, foi liberada em 1978. Foi gravada naquele ano por Chico em dueto com Milyon Nascimento e lançada no seu álbum autointitulado, o mesmo que incluiu "O Meu Amor". Bethânia também gravou "Cálice" para o álbum Álibi, lançado um mês depois do álbum de Chico. 
Rosinha de Valença: talento onipresente
 em Álibi.

Fechando o álbum, “Interior”, composição da violonista Rosinha de Valença. A canção possui uma atmosfera bucólica nos versos, na gaita de Maurício Einhorn e no violão dedilhado de Rosinha de Valença, enquanto Bethânia canta com uma voz cheia de ternura.

Vale ressaltar a “onipresença” de Rosinha de Valença neste disco, ela tocou em todas as faixas. A instrumentista expôs no álbum todo o seu talento tanto no violão como no cavaquinho, mostrando a sua versatilidade, seja tocando samba (“Sonho Meu”), choro (“Diamante Verdadeiro”), bolero (“O Meu Amor”), bossa-nova (“Explode Coração”) ou samba-canção (“Negue”). Toda essa bagagem musical é fruto das experiências profissionais que Rosinha acumulou desde jovem, quando tocou com artistas do gabarito de Baden Powell, João Donato, Sérgio Mendes entre outros. Lamentavelmente, em 1992, Rosinha de Valença deixou a vida profissional muito cedo quando entrou em estado de coma após uma lesão cerebral, consequência de uma parada cardíaca que sofreu. Rosinha ficou em estado vegetativo por doze anos, vindo a falecer em 2004, aos 62 anos. 

Álibi foi o primeiro grande sucesso comercial de Maria Bethânia, alçando a cantora baiana do posto de artista cult a uma das cantoras campeãs de vendas de discos no Brasil e de execução em rádio. “Explode Coração”, “Sonho Meu” e “Negue” ganharam as rádios e levou Álibi a vender de 1 milhão de cópias, tornando Maria Bethânia a primeira cantora brasileira a atingir essa marca. O álbum seguinte, Mel, de 1979, seguiu os mesmos passos de Álibi, e foi também um grande sucesso em vendas, graças a faixas como a faixa-título, “Cheiro de Amor”, “Grito de Alerta”, “Da Cor Brasileira” e “Infinito Desejo”.

Faixas

Lado A

  1. "Diamante Verdadeiro"  (Caetano Veloso)
  2. "Álibi"(Djavan)
  3. "O Meu Amor" (dueto com Alcione) (Chico Buarque)
  4. "A Voz de Uma Pessoa Vitoriosa" (Waly Salomão - Caetano Veloso)
  5. "Ronda" (Paulo Vanzolini)
  6. "Explode Coração" (Gonzaguinha)

Lado B

  1. "Negue" (Adelino Moreira - Enzo Almeida Passos)
  2. "Sonho Meu" (dueto com Gal Costa) (Dona Ivone Lara - Délcio Carvalho)
  3. "De Todas as Maneiras" (Chico Buarque)
  4. "Cálice" (Gilberto Gil - Chico Buarque)
  5. "Interior" (Rosinha de Valença) 



"Diamante Verdadeiro"

"Álibi"

"O Meu Amor"

"A Voz de Uma Pessoa Vitoriosa"

"Ronda"

"Explode Coração"

"Negue"

"Sonho Meu"

"De Todas As Maneiras"

"Cálice"

"Interior"



















Comentários

  1. ÓTIMO TEXTO !
    MEUS PARABÉNS PELO ÓTIMO GOSTO MUSICAL.

    Por: https://discosqueouvi.blogspot.com/

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    1. Valeu, Cláudio. Muito obrigado. É um belo disco. A música "Sonho Meu" faz lembrar a minha infância. Achei interessante a participação da violonista Rosinha de Valença, uma das maiores instrumentistas que o Brasil já teve, e lamentavelmente teve uma morte triste.

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    2. Parabéns pelo seu blog, Cláudio. Continua postando coisas novas. E obrigado pela citação ao meu blog.

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  2. Confesso que não tinha muitas informações sobre ela. Após este post fiquei muito curioso e muito triste em saber seu fim. O que nos alegra é o legado deixado e as boas lembranças de suas músicas.
    Grande abraço irmão e mais uma vez meus parabéns pelo trabalho.
    Tenho um blog também sobre música chamado "Discos Que Ouvi" e fiz referência ao seu texto no post sobre este album. O link está abaixo. Grande abraço !

    https://discosqueouvi.blogspot.com/2018/12/maria-bethania-alibi-1978.html

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Apenas uma observação: “A voz vitoriosa”, na verdade “A voz de uma pessoa vitoriosa” foi uma música composta em homenagem à cantora Alcione por Waly Salomão e Caetano Veloso a pedido de Bethânia.
    Ela e Waly estavam assistindo a um show da Marrom e Waly sentenciou que Alcione tinha a voz de uma pessoa vitoriosa.
    Bethânia, que admirava a cantora, pediu para que Waly escrevesse, então, algo sobre o que havia dito e, posteriormente, pediu para que Caetano musicasse o poema.
    Aliás, foi Bethânia quem entregou o primeiro disco de ouro de Alcione na antiga Philips e bateu o pé para que gravassem juntas “O meu amor”, cujo dueto seria inicialmente feito com Gal Costa. A gravadora queria que Bethânia e Alcione, que era associada ao samba, gravassem “Sonho Meu”, que acabou ficando com Gal.
    Bethânia acertou em cheio nas escolhas, contrariando a gravadora. As duas gravações ficaram lindas.
    Parabéns pelo Blog.
    Um abraço.

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