“Band On The Run” (EMI, 1973), Paul McCartney & The Wings


O rock é cercado de histórias pitorescas, algumas malucas e outras interessantes. Band On The Run, terceiro álbum de Paul McCartney com os Wings - o quinto pós-Beatles - é um grande disco, mas tinha tudo pra dar errado diante dos fatos que ocorreram durante a sua pré-produção e gravação.

Após o fim dos Beatles, em 1970, Paul logo lançou naquele mesmo ano o seu primeiro álbum solo, McCartney, no qual tocou todos os instrumentos e contou com o apoio vocal da esposa Linda McCartney. A repercussão foi modestíssima. Em 1971, lançou o single “Another Day” e o segundo álbum solo, Ram, cujo apelo comercial foi tão modesto quanto o primeiro. No mesmo ano, em agosto, Paul forma a banda Wings, ao lado da esposa Linda (vocais e teclados), Denny Laine (guitarra e vocais) e Denny Seiwell (bateria); Paul ficou com o baixo e vocal principal. Em dezembro, lançam Wild Life, o primeiro álbum dos Wings.

Cartaz do filme Viva E Deixe Morrer.
Os primeiros grandes êxitos de Paul após o fim dos Beatles só vieram em 1973. Em maio, contando com um integrante a mais, o guitarrista Henry McCullough, Paul e os Wings lançam Red Rose Speedway, que emplacou a balada “My Love”. A música virou um megahit e alcançou o primeiro lugar nos Estados Unidos. Dois meses depois, Paul e os Wings lançam o single de "Live And Let Die", música-tema do filme 007- Viva E Deixe Morrer, que fez um enorme sucesso e ganhou uma indicação ao Oscar de “Melhor Canção”.

Desfrutando do sucesso de “My Love” e de "Live And Let Die", Paul e os Wings já ensaiavam repertório para o próximo álbum, previsto para ser lançado ainda em 1973. Porém, alguns atritos dentro dos Wings começavam a fazer as primeiras baixas dentro da banda. Henry McCullough deixa os Wings por divergências com Paul. 

Após a saída de McCullough, Paul decide gravar o novo álbum fora da Inglaterra, de preferência em algum país “exótico”. Para isso, o ex-beatle pede à EMi uma lista de estúdios da gravadora no exterior. Dentre as opções, destacaram-se Bombaim (Índia), Pequim (China), Rio de Janeiro (Brasil) e Lagos (Nigéria). Paul chegou a ficar em dúvida entre Rio e Lagos. Se tivesse escolhido o Rio, provavelmente Paul e os Wings gravariam nos mesmos estúdios onde foram gravados alguns dos discos mais importantes da música brasileira, como o Clube da Esquina, de Milton Nascimento e Lô Borges, lançado em 1972.

Paul e suas filhas acompanhado de
crianças nigerianas.
Mas, Paul acabou optando por Lagos, e isso fez os Wings terem a sua segunda baixa. Na véspera do dia do embarque para Lagos, Seiwell revelou que estava deixando os Wings, ele não concordava m gravar o álbum na Nigéria. Mesmo assim, Paul não desiste da viagem. O casal McCartney e os filhos, Denny Laine, o engenheiro de som Geoff Emerick (profissional que já havia trabalhado com os Beatles) e mais dois roadies, embarcaram para Lagos no final de agosto de 1973.

No entanto, quem achou que os problemas acabaram após as saídas de Henry McCullough e Denny Seiwell da banda, está muito enganado. Aliás, a saída dos dois foi o menor dos problemas para Paul McCartney e os Wings. Os problemas começaram mesmo ao chegarem em Lagos. Descobriram que a Nigéria estava mergulhada numa brutal ditadura militar e que o povo vivia em completo estado de miséria. Perceberam que se quisessem algum tipo serviço com eficiência, tinham que pagar propina. No estúdio da EMI em Lagos, mais problemas: além de inacabado, o estúdio era deficiente de equipamentos de gravação como a falta de microfones, fiação incompleta e um velho gravador de oito canais. Paul e sua equipe tiveram que pagar propina para que os técnicos locais agilizassem a conclusão do estúdio e providenciassem os equipamentos. Até mesmo problema de saúde Paul teve: o calor intenso de Lagos teria feito o ex-beatle passar mal e ser levado às pressas para um hospital. Porém, o diagnóstico teria sido excesso de cigarros.

E a fila de problemas não parava. Caminhando por uma das ruas de Lagos, Paul e Linda foram abordados por cinco homens armados de facas. Roubaram do casal dinheiro, fitas demo e o resto de material de gravação. Sem as fitas demo, Paul, Linda e Denny tiveram que se lembrar de cabeça como eram os arranjos das músicas do repertório do álbum.

Como se tudo isso não bastasse, mal Paul e equipe haviam começado o processo de gravação, o estúdio é invadido pelo astro do afrobeat, o nigeriano Fela Kuti, acusando o ex-beatle de estar na Nigéria para explorar a música nigeriana.  Paul mostra o material e explica que o que estavam gravando nada tinha a ver com a música da Nigéria. Por coincidência, o ex-baterista do Cream, Ginger Baker, tinha um estúdio em Lagos, o ARC Studios, e convidou Paul e banda a gravarem lá e assim se livrariam de mais problemas.  Paul relutou, mas acabou aceitando o convite. Gravaram no estúdio de Baker a faixa "Picasso's Last Words".

McCartney e Fela Kuti (à direita da foto).
Em três semanas, todo o material do novo álbum, mais algumas faixas extras como “Helen Wheels” que só saiu na edição norte-americana do álbum, foram gravados em Lagos. No final de setembro, retornaram para Londres, e no começo de outubro começaram o processo finalização do álbum no AIR Studio, de propriedade de George Martin, produtor que havia produzido a maioria dos discos dos Beatles. Lá, acrescentaram solos de saxofone de Howie Casey nas faixas “Bluebird” e “Mrs. Vanderbilt”, e percussão do nigeriano radicado em Londres, Remi Kabaka, na faixa “Bluebird”. Foram acrescentados arranjos de cordas e metais através de Tony Visconti, produtor que já havia trabalhado com David Bowie, T.Rex, Gentle Giant e Badfinger. A mixagem do material gravado foi feita no Kingsway Studios, em Londres, no final de outubro.


A arte da capa foi baseada na faixa-título do álbum, “Band On The Run” (“Bando Em Fuga”). A capa mostra um grupo trajado com roupas de presidiário fugindo, mas flagrados por uma luz de holofote. As figuras que encarnaram os presidiários na capa são na verdade, além de Paul, Linda e Denny Laine, algumas celebridades convidadas para a empreitada: o jornalista Michael Parkinson, o cantor Kenny Linch, o ator James Coburn, o escritor e chef Clement Freud (neto de Sigmund Freud), o ator Christopher Lee e o pugilista John Conteh.

Com arte gráfica concebida pela Hipgnosis, empresa inglesa de design gráfico que se notabilizou na criação de capas de discos, a fotografia da capa foi feita pelo fotógrafo inglês Clive Arrowsmith.  O local onde foram feitas as fotos foi o muro do Osterley Park, em Londres. As sessões fotográficas foram filmadas pelo diretor Barry Chattington, num registro de pouco mais de sete minutos.

Christopher Lee, Paul McCartney e Clement Freud, durante o lançamento
do álbum Band On The Run, em 1973.

Band On The Run foi lançado em dezembro de 1973, sendo que nos Estados Unidos chegou às lojas no dia 05, no Reino Unido no dia 07.  A faixa-título é quem abre o álbum. Ela foi composta baseada numa frase de George Harrison, “If we ever get out of here” (algo como “Se algum dia nós sairmos daqui). A frase era dita no final dos anos 1960 por Harrison nas intermináveis e maçantes reuniões de negócios da Apple Corps, empresa criada pelos Beatles para gerenciar a carreira e os interesses da banda. “Band On The Run” é dividida em três andamentos, começando como uma balada lenta, depois um rock lento sucedido depois por um ritmo folk rock. Na canção, Paul se passa por um foragido da lei.

Após “Band On The Run”, vem o rock contagiante “Jet”, que se tornou um dos grandes hits do álbum e da carreira de Paul. Diferente das outras faixas do Band On The Run que foram gravadas em Lagos, “Jet” foi inteiramente gravada nos estúdios da EMI em Londres. Linda McCartney faz os backing vocals no refrão e um solo de sintetizador Moog no meio da música. Destaque para o solos de saxofone de Howie Casey.

A faixa seguinte é a balada acústica “Bluebird”, uma canção sobre amor e liberdade. “Mrs. Vanderbilt” é um folk rock que fala sobre viver na selva, e faz um contraponto com a vida apressada e estressante nas cidade grandes. Os arranjos instrumentais fazem um belo casamento entre os violões, guitarra, o saxofone de Howie Casey e o baixo bem pontuado de Paul. Fechando o lado A do álbum, “Let Me Roll It”, onde Paul e os Wings teriam se inspirado na sonoridade de John Lennon e sua Plastic Ono Band. A voz de Paul aparece com uns efeitos de estúdio que dão a ela um timbre que lembra muito o de John. O riff de guitarra e o peso da bateria de “Let Me Roll It” remetem aos de “Cold Turkey”, de John Lennon.

Abrindo o lado B de Band On The Run, “Mamunia”, uma canção que é uma homenagem à chuva e aos seus benefícios. A canção transmite uma calma, uma paz, uma tranquilidade ao ouvinte, e traz um agradável contraste da percussão com a sonoridade acústica do violão. O título é baseado no de um hotel que o casal McCartney havia se hospedado durante uma viagem a Marraquexe, no Marrocos. A faixa seguinte, o rock balada “No Words”, é a primeira parceria de Paul e Denny Laine.

Pablo Picasso, falecido em abril de 1973:
homenageado por Paul em
“Picasso’s Last Words (Drink Me)”
“Picasso’s Last Words (Drink Me)”, foi composta por Paul a partir de uma ideia do ator Dustin Hoffman que sugeriu ao ex-beatle compor uma canção baseada nas últimas palavras do pintor espanhol Pablo Picasso, que havia morrido meses antes, em abril de 1973, aos 91 anos: “Drink to me, drink to my health, you know I can’t drink anymore” (“Beba por mim, beba pela minha saúde, você sabe que eu não posso beber mais”).  Foi a música gravada por Paul e sua equipe na ARC Studios, do ex-baterista do Cream, Ginger Baker, em Lagos, na Nigéria. Pouco antes do final da música, Paul e banda cantam o refrão de “Jet” em cima de uma base percussiva.

Última faixa de Band On The Run, o rock “Nineteen Hundred And Eighty-Five” termina com um final apoteótico, com uma orquestra e banda encerrando a faixa em grande estilo.

Na época de seu lançamento, Band On The Run foi muito bem recebido pela crítica. Comercialmente, o álbum teve um crescimento lento, só alcançando um desempenho melhor durante o ano de 1974, quando foi lançado o single da faixa-título em abril daquele ano. Nos Estados Unidos, o single da faixa “Band On The Run” foi 1º lugar das paradas norte-americanas de singles, enquanto que o de “Helen Wheels”, faixa que só saiu na edição norte-americana de Band On The Run, figurou em 10º lugar. 

Band On The Run foi o álbum mais vendido no Reino Unido em 1974. Nos Estrados Unidos, chegou à marca de 3 milhões de cópias vendidas, e mundialmente vendeu 7 milhões.  Além do bom desempenho comercial, Band On The Run foi contemplado em 1974 com o prêmio Grammy de “Melhor Performance Vocal Pop por Dupla ou Banda”.  Naquele mesmo ano, foi eleito “Álbum do Ano” pela revista Rolling Stone.

Um final feliz para um álbum que tinha tudo para dar errado.

Paul McCartney & The Wings: Paul McCartney (vocais, violões, guitarras, baixo, piano, teclados, bateria e percussão), Linda McCartney (teclados e vocais) e Denny Laine ( vocais, violões, guitarras, baixo, teclados e percussão).

Faixas

Lado A
  1. " Band on the Run "
  2. " Jet "
  3. " Bluebird "
  4. " Mrs. Vandebilt "
  5. " Let Me Roll It "


Lado B
  1. " Mamunia "
  2. " No Words "
  3. " Helen Wheels " (faixa adicional apenas para o lançamento nos EUA)
  4. "Picasso's Last Words (Drink To Me)"
  5. "Nineteen Hundred and Eighty-Five" 



Todas as músicas são de autoria de Paul e Linda McCartney, exceto "No Words" (Paul McCartney - Denny Laine).


Ouça na íntegra o álbum Band On The Run

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