10 discos essenciais: cantoras brasileiras


Desde Chiquinha Gonzaga na virada do século XIX para o século XX, as mulheres vêm escrevendo capítulos importantes na história da música popular brasileira. Ao longo do tempo, elas deram valiosas contribuições para a construção da música brasileira. De Clementina de Jesus a Anitta, de Dalva de Oliveira a Karol Conka, passando por Marina Lima, Adriana Calcanhoto, Maysa, Inezita Barroso, Dona Ivone Lara, Dolores Duran, Aracy de Almeida, Elizeth Cardoso, Ângela Ro Ro, Carmen Costa, Nara Leão, Roberta Miranda, Irmãs Galvão, Maria Rita, Alaíde Costa, Céu, Rosa Passos e mais outras tantas artistas dos mais diversos gêneros musicais, não só mostraram o talento delas, como também serviram de exemplo de modelo libertário para outras mulheres na quebra de tabus e preconceitos, seja dentro da música ou na vida cotidiana.

O 10 discos essenciais traz dez álbuns de dez cantoras brasileiras de diferentes épocas e estilos, destacando as suas qualidades e a importância deles para a música popular brasileira.

Gal Costa (Philips, 1969), Gal Costa. A cantora deste álbum em nada lembra a cantora tímida do álbum Domingo, lançado em parceria com o amigo Caetano Veloso, em 1967. Neste seu primeiro e autointitulado álbum solo, Gal Costa é uma outra artista, transfigurada numa versão tropicalista de Janis Joplin. O álbum mostra uma Gal mais diversificada, indo do romantismo pop psicodélico (“Não Identificado”) ao soul (“Se Você Pensa”), passando pelo rock (“Divino Maravilhoso”) e pela bossa-pop (“Baby”). Gal radicalizaria mais ainda na transgressão tropicalista no álbum seguinte, o lisérgico Gal, lançado no mesmo ano de 1969.


Claridade (Odeon, 1975), Clara Nunes. Poucas cantoras encarnaram tão bem a ancestralidade africana na música brasileira como Clara Nunes (1942-1983). Após um começo de carreira transitando por vários estilos, Clara se encontrou no samba. Tendo o Candomblé como sua religião, Clara levou os sambas dos terreiros para o grande público e tornaram-se sucesso radiofônico. Levou para a sua música o universo cultural das religiões de matriz africana ajudando na sua difusão. Clara foi uma das cantoras mais populares da música brasileira nos anos 1970, sendo uma recordista em vendas de discos. Um dos seus álbuns mais populares é Claridade, de 1975, o nono de sua carreira. O álbum tem sambas antológicos, um deles falando de lendas afro-brasileiras (“O Mar Serenou”) e outro da sua crença nos orixás (“A Deusa dos Orixás”). Mas há espaço para sambas falando de amor como as alegres “O Sofrimento de Quem Ama” e “Tudo É Ilusão”. Claridade traz ainda o samba “apocalíptico” de Nelson Cavaquinho, “Juízo Final”, gravado brilhantemente por Clara Nunes.  


Falso Brilhante (Philips, 1976), Elis Regina. No final de 1975, Elis Regina (1945-1982) estreava no Teatro Bandeirantes, em São Paulo, o espetáculo “Falso Brilhante”, o qual contava a história da cantora gaúcha, desde o início da sua carreira até o alcance da fama. Motivada pelo sucesso do espetáculo, Elis gravou o álbum de estúdio Falso Brilhante. Elis selecionou dez músicas das pouco mais de quarenta canções do repertório do espetáculo para o álbum. Em Falso Brilhante, Elis mesclou compositores consagrados com outros pouco conhecidos até então. Foi através deste álbum que o compositor Belchior ganhou visibilidade através de “Como Nossos Pais” e “Velha Roupa Colorida” em interpretações arrasadoras de Elis. “Fascinação”, “Quero”, “Gracias A La Vida” e “Tatuagem” são outros bons momentos do álbum.


Álibi (Philips, 1978), Maria Bethânia. Embora já fosse considerada uma das grandes cantoras da sua geração, Maria Bethânia ainda era restrita a um público específico, formado por estudantes universitários e intelectuais fãs de MPB. Estava mais para uma cantora cult. Foi com o álbum Álibi que em 1978 a irmã de Caetano Veloso se tornou a primeira cantora da música popular brasileira a atingir a marca de 1 milhão de cópias vendidas com um álbum. Faixas como “Sonho Meu” (dueto com Gal Costa), “Explode Coração” e “Negue” fizeram grande sucesso e se tornaram presença obrigatória no repertório de shows de Bethânia. Merecem destaque também “O Meu Amor” (dueto com Alcione), “Diamante Verdadeiro”, “Álibi”, “Ronda” e a bucólica “Interior”.


Rita Lee (Som Livre, 1979), Rita Lee. Após o lançamento do álbum Babilônia, em 1978, Rita Lee termina de maneira turbulenta a sua união com a banda Tutti-Frutti. A partir do álbum seguinte e que leva o seu nome, Rita inicia a parceria com o marido Roberto de Carvalho, redireciona a sua música para uma sonoridade mais pop e “palatável” para as grandes massas, o que a torna uma das cantoras campeãs em vendas de discos no Brasil. “Mania De Você” se torna um enorme sucesso nacional, assim como “Doce Vampiro”, “Chega Mais” e “Arrombou A Festa II”, o que fez o álbum ser um dos mais vendidos do ano de 1979.  Rita Lee, o álbum, já dava sinais do que seria o pop e o rock do Brasil na nova década que se aproximava.


Mais (EMI-Odeon, 1991), Marisa Monte. Apadrinhada pelo crítico musical Nelson Motta, Marisa Monte surgia em 1989, então com pouco mais de 21 anos, como uma grande novidade na música brasileira numa embalagem de diva. Seu primeiro álbum, MM, gravado ao vivo, fez um grande sucesso. No entanto, foi através de Mais que Marisa iria confirmar que não seria uma sensação musical passageira. Em seu segundo trabalho, Marisa mostrava que não era apenas uma grande intérprete, mas também uma compositora talentosa. O álbum traz parceria dela com outros compositores como “Tudo Pela Metade”, “Mustaphá” e "Ainda Lembro” (com Nando Reis) e “Beija Eu”, composta por ela e Arto Lindsay. “Beija Eu”, “Ainda Lembro” e “Volte Para O Seu Lar” tocaram no rádio e levaram Mais à marca de 700 mil cópias vendidas. 


Raízes do Samba – Carmen Miranda (EMI-Odeon, 1999), Carmen Miranda. Falecida em 1955, aos 46 anos, Carmen não gravou álbuns, gravou apenas discos de 78 rpm que traziam duas músicas. Só após a sua morte é que foram lançadas coletâneas reunindo os seus grandes sucessos. Provavelmente, se Carmen tivesse vivido mais anos, certamente ela teria gravado álbuns. Uma boa opção básica para quem quer conhecer a obra de Carmen é uma coletânea da série Raízes do Samba, lançada pela EMI-Odeon em 1999. A série reuniu coletâneas trazendo os grandes sucessos dos artistas consagrados do samba da gravadora. A coletânea de Carmen traz 20 gravações feitas por ela pela Odeon, entre os anos de 1935 e 1940, incluindo clássicos como “O Que É Que A Baiana Tem” (dueto com Dorival Caymmi), “Quando Eu Penso Na Bahia” (dueto com Sylvio Caldas) e “No Tabuleiro Da Baiana” (dueto com Luiz Barbosa).


Acústico MTV (Universal Music, 2001), Cássia Eller. Entre o final dos anos 1990 e começo dos anos 2000, Cássia Eller vivia o melhor momento da sua carreira. No rastro do sucesso do álbum Com Você … Meu Mundo Ficaria Completo, de 1999, Cássia lança em 2001 o Acústico MTV. Terceiro álbum ao vivo de Cássia, o trabalho traz alguns dos grande sucessos da carreira da artista em versões acústicas como “Malandragem”, “E.C.T.”, “Por Enquanto” e “O Segundo Sol”. Outros bons momentos do álbum acústico são as regravações de “Non, Je Ne Regrette Rien” (antigo sucesso de Edith Piaf), “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band” (Beatles), “Quando A Maré Encher” (Nação Zumbi) e o bem humorado samba do baiano Riachão, “Vá Morar Com O Diabo”. O álbum acústico foi um grande sucesso comercial de Cássia, vendeu mais de 1 milhão de cópias, rendendo uma turnê por todo o Brasil. Uma pena que Cássia não pode desfrutar mais tempo dos êxito do álbum: ela morreria no final de 2001 vítima de um infarto do miocárdio, aos 39 anos.


Admirável Chip Novo (Deck Disk, 2003), Pitty. Quando Pitty apareceu no cenário musical brasileiro em 2003, ela subverteu todos os valores que se espera de uma cantora vinda da Bahia: não era uma diva da MPB e muito menos uma cantora esfuziante de axé music. Era uma cantora de rock que lançava o seu primeiro álbum solo, Admirável Chip Novo. O álbum apresenta uma bem costurada colcha de influências que vão do punk rock ao grunge, passando pelo hard rock. Quase todas as faixas viraram hits, dentre elas “Teto De Vidro” e “Equalize”, “Máscara” e a faixa-título, fazendo Admirável Chip Novo vender mais de 700 mil cópias. Não seria exagero afirmar que Admirável Chip Novo é um dos melhores álbuns de estreia da história do rock brasileiro.


A Mulher do Fim do Mundo (Circus / Natura Musical, 2015), Elza Soares. Com uma carreira iniciada ainda nos anos 1950, Elza Soares iniciou um incrível processo de renovação artística no começo dos anos 2000, ao associar o seu samba a seguimentos da música pop contemporânea como o rap e a música eletrônica. Isso ficou evidente no elogiado álbum Do Cóccix Até O Pescoço, de 2002. Com A Mulher do Fim do Mundo, Elza consolidou o seu processo de renovação, onde ela ampliou o seu experimentalismo. O álbum foi aclamado pela crítica e ainda fez Elza conquistar um público jovem e engajado, e isso aos 80 anos. A Mulher do Fim do Mundo é um álbum ácido, forte, e toca o dedo na ferida em assuntos delicados como a violência contra a mulher (“Maria da Vila Matilde”), a decadência social nas grandes cidades brasileiras (“Luz Vermelha”) e a vida barra pesada de um transexual negro na prostituição (“Benedita”). A conquista do Grammy Latino 2016 na categoria “Melhor Álbum de Música Popular Brasileira” foi o reconhecimento do valor de uma das cantoras mais aguerridas da música brasileira. 

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