“We're Only In It For The Money” (Verve, 1968), The Mother Of Invention
Frank Zappa
(1941-1994) foi um dos artistas mais anárquicos, rebeldes, criativos e
inteligentes da história do rock. Produzia compulsivamente, conhecia muito de
música. Suas influências iam desde a vanguarda da música erudita ao jazz,
passando evidentemente pelo rock. Era ao mesmo tempo criativo e louco. Ficou
famoso pelos seus experimentalismos que beiravam a loucura. Apesar de toda a
maluquice, por incrível que pareça, tinha aversão às drogas. Fazia mil loucuras
sem usar absolutamente nada. E mais, proibia que sua banda, a Mothers Of
Invention, usasse qualquer tipo de droga. Achava que isso atrapalharia os
ensaios, as turnês e o processo criativo dos álbuns. Zappa era extremamente
profissional.
Polêmico,
Zappa detestava hippies. Chegou a esculhambar a cultura hippie ao perceber que
ela havia se tornado mais um produto de consumo para encher o bolso do sistema.
Acreditava que muitos astros do rock entraram na psicodélica mais por causa da
grana do que por ideologia, e nesse aspecto, ele não poupava nem os Beatles. O
recado dele ficou claro quando em 1968 lançou com a Mothers Of Invention, o
anárquico álbum We're Only In It For The Money (algo como "Nós Estamos
Nessa Por Dinheiro"), terceiro álbum da banda.
O álbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. |
Quando os
Beatles lançaram Sgt.Peppers Lonely Hearts Club Band, em junho de 1967, Zappa e
a Mothers Of Invention estavam envolvidos na concepção de um novo álbum. Ao
perceber o impacto que o álbum dos Beatles estava causando sobre a
contracultura a qual ele tinha pavor, Zappa decidiu mudar o conceito do novo
álbum da Mothers Of Invention. O novo conceito seria satirizar a cultura
hippie, Sgt.Peppers Lonely Hearts Club Band, e de quebra, a hipocrisia
da sociedade norte-americana. Além de satirizar o “hippismo”, ele queria provar
que podia fazer um disco psicodélico e anárquico sem usar substância alguma...
e conseguiu.
Lançado em 4
de março de 1968, We're Only In It For The Money é uma tremenda loucura sonora, o
que não difere muito dos álbuns anteriores, Freak Out (1966), e Absolutely
Free (1967). Mas We're Only In It For The Money era
louco e sua provocação tinha endereço certo. A começar pela capa, uma sátira a Sgt.Peppers
Lonely Hearts Club Band, a cargo do designer gráfico Cal Schenkel.
Porém, na época de lançamento, temendo maiores problemas, a gravadora Verve
sugeriu que a imagem satírica ao álbum dos Beatles fosse colocada na parte
interna da capa dupla de We're Only In It For The Money, e
que a fotografia da banda que ilustraria a parte interna, fosse posta na parte
frontal da capa. Quem não teria achado graça algum do deboche de Zappa e sua
turma foi Paul McCartney que chegou a ameaçar a banda. Por algum tempo, a capa
de We're
Only In It For The Money saiu conforme o sugerido pela Verve, mas
depois houve a inversão das imagens, e o álbum passou a exibir na capa a imagem
da banda satirizando o álbum clássico dos Beatles.
Edgard Varèse: influência sobre a obra de Frank Zappa. |
Musicalmente,
o álbum é uma salada maluca bem ao estilo Zappa, que envolve doo-wop, rock,
surf music, colagens sonoras e música concreta. Zappa era um profundo
conhecedor das vanguardas dentro da música erudita. Desde a adolescência era fã
de ícones da música de vanguarda como Edgard Varèse (1883-1965), com o qual
chegou a se corresponder quando tinha 15 anos. O compositor franco-americano
exerceria uma forte influência na obra de Frank Zappa.
We're Only In It For
The Money começa
com “Are You Hung Up”, uma faixa de curta duração que traz uma montagem de
diálogos. Dentre as vozes está a do guitarrista Eric Clapton, que foi convidado
para o álbum não para tocar guitarra, mas para fazer alguns diálogos. Em “Who
Needs The Peace Corps?” é uma zombaria à cultura hippie e àqueles que adotaram
a sua estética por modismo. “Concentration Moon” alterna valsa e rock, e centra
sua crítica ao american way of life, o
estilo americano de levar a vida. “Mom & Dad” trata da superficialidade e
da indiferença dos pais conservadores ao que acontece fora do mundo deles. A
curtíssima “Telephone Conversation” é uma conversa telefônica, praticamente uma
vinheta que antecede a faixa “Bow Tie Daddy” que lembra que velhice não é
impedimento para aproveitar a vida. A polêmica “Harry, You’re A Beast” se
refere a um estupro por parte de um marido insatisfeito com a esposa, mais
preocupada com a vaidade estética.
Imagem interna da capa que por algum tempo figurou na frente e fundo da capa do álbum. |
“What’s The
Ugliest Part Of Your Body?” começa como uma baladinha doo-wop bem ao estilo
anos 1950, mas que muda drasticamente para um rock psicodélico. Assim como em
“Mom & Dad”, os pais conservadores são alvo das críticas em “What’s The
Ugliest Part Of Your Body?”. A canção reflete sobre a influência da mentalidade
retrógrada dos pais sobre os seus filhos.
Misto de
valsa e pop barroco, “Absolutely Free” debocha do conteúdo surreal das letras
canções das bandas psicodélicas, cheias de fantasias, ecos, ruídos, motivados
pelo consumo de drogas para expandir a consciência. O deboche com a cultura
hippie prossegue em “Flower Punk” que fala de um garoto que sonha em ir para
San Francisco e juntar-se a uma banda psicodélica. A voz alterada em alta
rotação dando um caráter imbecilizado ao personagem da música ilustra muito bem
como Zappa enxergava os hippies.
“Hot Poop” é
uma vinheta com diálogos sussurrados que encerra o lado A do álbum.
Hippies: na mira satírica de Frank Zappa e os Mothers Of Invention. |
“Nasal
Retentive Calliope Music” abre o lado B de We're Only In It For The Money. Os
ruídos e efeitos sonoros presentes nessa faixa, são mais uma prova da
influência da música concreta na arte de Frank Zappa. “Let’s Make The Water Turn Black” é
inspirada em dois amigos de infância de Zappa que costumavam fazer brincadeiras
escatológicas. “The Idiot Bastard Son” fala de um filho bastardo que tem um pai
nazista e uma mãe prostituta em Los Angeles. A faixa traz mais uma participação
de Eric Clapton fazendo a voz do diálogo.
“Lonely
Little Girl” trata sobre uma menina solitária que não tem a atenção dos pais. Com
vocais infantilizados em “Take Your Clothes Off When You Dance”, Zappa e a
Mothers Of Invention segue a linha do pop descartável do final dos anos 1960 para
falar que devemos desapegar das vaidades e dançar. “What’s The Ugliest Part Of
Your Body? (Reprise)” reaparece na reta final do álbum, mas num dado momento a
faixa tem a sua rotação acelerada até emendar-se à faixa seguinte, “Mother
People”.
Jovem Eric Clapton: embarcando na loucura sonora de Frank Zappa. |
O álbum se
encerra com a “The Chrome Plated Megaphone Of Destiny”, mais uma faixa
extremamente experimental do álbum, inspirada na música concreta. A faixa é
construída através de sucessão de ruídos, vozes, gargalhadas nas mais diversas
rotações, sons de instrumentos musicais. Participação especial da Abnuceals
Emuuka Electric Symphony Orchestra And Choru, regida pelo maestro Sid Sharp.
We're Only In It For The Money foi 30º
lugar na parade norte-americana da Billboard.
A recepção da crítica
foi positive. As associações com Sgt.Peppers
Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, foram inevitáveis. Mesmo não
tendo a pompa do álbum dos Beatles, We're Only In It For The Money mereceu
críticas elogiosas por parte do jornalismo musical da época, destacando o
conteúdo ácido e direto das letras, mostrando que se artisticamente Frank Zappa
era um doido varrido, na maneira ver o mundo ele era muito lúcido.
Faixas
Lado
A
- "Are You Hung Up?"
- "Who Needs The Peace Corps?"
- "Concentration Moon"
- "Mom And Dad"
- "Telephone Conversation"
- "Bow Tie Daddy"
- "Harry, You're A Beast"
- "What's The Ugliest Part Of Your Body?"
- "Absolutely Free"
- "Flower Punk"
- "Hot Poop"
Lado
B
- "Nasal Retentive Calliope Music"
- "Let's Make The Water Turn Black"
- "The Idiot Bastard Son"
- "Lonely Little Girl"
- "Take Your Clothes Off When You Dance"
- "What's The Ugliest Part Of Your Body? (Reprise)"
- "Mother People"
- "The Chrome Plated Megaphone Of Destiny"
Todas as faixas são de autoria de Frank Zappa.
The Mothers Of Invention: Frank Zappa
(composições, vocais, guitarra, piano e edição de fitas), Roy Estrada (baixo e
vocais), Bunk Gardener (instrumentos de sopro e sussurros), Jimmy Carl Black
(bateria, trompete e vocais) e Motorhead Sherwood (sax soprano e barítono), Billy
Mundi (bateria e vocais).
Ouça na íntegra o álbum We're Only In It
For The Money
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